Onde prevaleça uma forma qualquer de moral do trabalho, dificilmente faltarão a ordem e a tranquilidade entre os cidadãos, porque são necessárias, uma e outra, à harmonia dos interesses. O certo é que, entre espanhóis e portugueses. a moral do trabalho representou sempre fruto exótico. Não admira que fossem precárias, nessa gente, as ideias de solidariedade.
A bem dizer, essa solidariedade, entre eles, existe somente onde há vinculação de sentimentos mais do que relações de interesse no recinto doméstico ou entre amigos, círculos forçosamente restritos, particularistas e antes inimigos que favorecedores das associações estabelecidas sobre plano mais vasto, gremial ou nacional.
À autarquia do indivíduo. à exaltação extrema da personalidade, paixão fundamental e que não tolera compromissos, só pode haver uma alternativa: a renúncia a essa mesma personalidade em vista de um bem maior. Por isso que, rara e difícil, a obediência aparece algumas vezes. para os povos ibéricos. como virtude suprema entre todas. E não é estranhável que essa obediência - obediência cega, a que difere fundamente dos princípios medievais e feudais de lealdade - tenha sido até agora, para eles. o único princípio político verdadeiramente forte. A vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são lhes igualmente peculiares. As ditaduras e o Santo Oficio parecem constituir formas tão típicas de seu caráter como a inclinação à anarquia e à desordem. Não existe, a seu ver. outra sorte de disciplina perfeitamente concebivel, além da que se funde na excessiva centralização de poder e na obediência.
Foram ainda os jesuítas que representaram, melhor do que ninguém. esse princípio da disciplina pela obediência. Mesmo em nossa América do Sul, deixaram disso exemplo memorável com suas reduções e doutrinas. Nenhuma tirania moderna, nenhum teórico da ditadura do proletariado ou do Estado totalitário, chegou sequer a vislumbrar a possibilidade desse prodígio de racionalização que conseguiram os padres da Companhia de Jesus em suas missões.
Hoje, a simples obediência como princípio de disciplina parece uma fórmula caduca e impraticável e daí, sobretudo. a instabilidade constante de nossa vida social. Desaparecida a possibilidade desse freio, é em vão que temos procurado importar dos sistemas de outros povos modernos, ou criar por conta própria. um sucedâneo adequado, capaz da superar os efeitos de nosso natural inquieto e desordenado.
Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26' ed. São Paulo: C a. das Letras. 1995. p.39·40.
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I - A simples obediência como princípio de disciplina parece, hoje, uma fórmula caduca e impraticável e daí a instabilidade constante sobretudo de nossa vida social.
lI - Entre eles, essa solidariedade existe, a bem dizer, somente onde há vinculação de sentimentos mais do que relações de interesse ...