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Leia a crônica de Luís Fernando Verissimo.
1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
No que diz respeito à escrita das palavras, é necessário observar as regras da ortografia oficial da língua portuguesa como se apresenta no item:
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Leia a crônica de Luís Fernando Verissimo.
1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
Considerando a utilização das regras de regência, seja nominal ou verbal, assinale a alternativa que apresenta a sentença correta.
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1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
Na escrita, de forma geral, é necessário observar as regras oficiais que regem a língua portuguesa. No uso das regras de concordância, seja nominal ou verbal, está correto o que é apresentado no item:
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1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
Nas sentenças “Ela quis segui-las” e “Acionou suas antenas”, os termos em destaque podem ser classificados, respectivamente, como
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1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
Na sentença “Vandirene (1) precisava comprar sua comida e o dinheiro não (2) chegava” os termos em destaque, respectivamente, são/estão:
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1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
A alternativa que segue a mesma regra de colocação pronominal que a sentença "Não se olhou no espelho" é:
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1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
A sentença “descobriu que só um nome não bastava” apresenta uma oração subordinada substantiva
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Leia a crônica de Luís Fernando Verissimo.
1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
Sabendo que as orações coordenadas são ligadas por conjunções coordenativas, na sentença “Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel”, tem-se um exemplo de conjunção coordenativa
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Leia a crônica de Luís Fernando Verissimo.
1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
Observe a construção das sentenças "Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O mando desempregado. Finalmente, acertou na esportiva. Quase quatro milhões. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou casa.” (linhas 21 a 24) e assinale a alternativa correta.
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Leia a crônica de Luís Fernando Verissimo.
1 Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu
que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas.
Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou
5 nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente, ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os
hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se
bonita. Para um ex-barata. Maquilou-se. Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade.
10 Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação?
Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras
mal suspeitadas; era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram,
15 brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos,
roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como
dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não foi. Você não
me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o
marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não
20 entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na
esportiva. Quase quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não ter quatro milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter
o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou
25 casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre
as baratas, não existe o conceito de classe.) Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior
preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro,
um dia, ia desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há
mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia
30 é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi:
meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira
e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um
móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da
35 sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.
Fonte: (VERÍSSIMO, Luís Fernando. A metamorfose. In: . Ed. Morte e outras histórias. Porto Alegre: L&PM Editores, 1997, p. 32-33.)
De acordo com o texto, pode-se inferir que, na frase “Kafka não significa nada para as baratas” (linha 35), a menção ao nome de Kafka marca um processo de:
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