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3194987 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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A luta contra as palavras

De uns tempos para cá, nossa sensibilidade linguística parece ter-se exacerbado. Antes, havia palavras proferidas com o intuito de ofender, os chamados palavrões. Bons tempos! As coisas eram mais claras, pois todos sabíamos quais eram os termos, de fato, insultuosos. Hoje, a qualquer momento, podemos ser pilhados em flagrante delito linguístico ao usar corriqueiramente alguma palavra cujo teor preconceituoso, recém-desvelado por algum perscrutador de ignomínias, nos tenha escapado.

O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deu-nos a conhecer uma lista de termos e expressões considerados racistas pela Comissão de Igualdade Racial, entre os quais aparece o verbo “esclarecer”. Segundo os autores do texto, o racismo estaria embutido no termo por ele sugerir que “a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras”.

Se assim for, expressões como “deixar claro” ou “é claro que”, de largo uso, padecem do mesmo vício de origem. A sugestão dos signatários do documento é “o uso das palavras ‘explicar’ ou ‘elucidar’, por exemplo” em substituição a “esclarecer”. “Explicar”, na origem, é desdobrar, já que vem do latim “plico, as, are”, ou seja, “dobrar”, mas “elucidar” tem “lux” (“luz”) na raiz. Ora, se é racista a singela ideia de que a luz (ou a claridade) nos ajuda a enxergar melhor, o mesmo teria de valer para “elucidar”. Por algum motivo obscuro, porém, “elucidar” passou incólume pelo crivo da comissão.

Talvez, no entanto, a própria ideia de “enxergar” já contenha em si algum viés capacitista. Afinal, há pessoas que enxergam e pessoas que, embora não enxerguem, captam o universo à sua volta com riqueza de detalhes. Há quem diga que os deficientes visuais desenvolvam muito mais os outros sentidos, o que os faz perceber com grande acuidade coisas que independem da claridade, como sons, odores, temperaturas etc.

Segundo o dicionário Houaiss eletrônico, que constantemente recebe atualizações, o termo “cego”, quando usado no sentido de “deficiente visual”, pode ser ofensivo. Notemos que os lexicógrafos foram hesitantes, preferindo não tachar o termo, de uma vez por todas, de depreciativo. “Cego”, do latim “caecus, a, um”, quer dizer “escuro, negro, obscuro, espesso”. Para além do sentido estrito, já no latim o termo era usado no sentido figurado. Da expressão “caecus cupiditate”, herdamos o usual “cego pela paixão”. É dessa mesma raiz que vem o termo “obcecado”, isto é, “cegado” – a palavra está associada ao espírito; é este que está no escuro, incapaz de fazer um julgamento lúcido da situação. De novo, estamos às voltas com as ideias de claridade e escuridão, ligadas naturalmente ao dia e à noite.

O adjetivo “cego”, no sentido metafórico, costuma descrever aquilo que não tem medida, que foge ao controle da razão (paixão cega, entusiasmo cego, ódio cego, submissão cega), não sendo nem bom nem mau em si. Um entusiasmo cego pode ser a atitude de quem acredita de fato no que faz, um ódio cego pode ser sede de vingança. Enfim, o termo pode ser empregado para enfatizar uma ideia. Foi assim, aliás, que o usou Milton Nascimento na canção “Fé Cega, Faca Amolada”, em que a fé é inabalável. Vale notar que a lâmina sem corte, ao contrário da “amolada”, também é chamada de “cega” – daí o jogo de palavras usado na letra da canção.

Um nó difícil de desatar é logo chamado de “nó cego” – talvez fruto da ideia de ser muitíssimo apertado, uma variação da noção de ênfase associada ao termo. O bonito da língua é essa maleabilidade, esse leque de associações que se constroem solidariamente entre os falantes sem que se possa saber ao certo quem inventou o quê. Quer mais? Com o acréscimo de um hífen, “nó-cego” passa a ser mais um dos muitos nomes da aguardente de cana.

A expressão “às cegas”, que quer dizer “às escuras” ou “tateando no escuro, sem ver”, é frequentemente usada pelos “sommeliers” em suas conhecidas “degustações às cegas”, ocasiões em que experimentam os vinhos sem ver os rótulos. Dessa forma, libertam-se das informações prévias que poderiam influenciar seu julgamento sobre a bebida, entregando-se voluntariamente à escuridão que faz aflorar o olfato e o paladar.

(...)

Em suma, a tarefa a que se entregam os purificadores da língua parece ser uma infinita corrida de obstáculos. Se, no entanto, for mesmo esse o caminho a seguir para tornar o mundo um lugar mais saudável, talvez possamos criar uma linguagem verdadeiramente neutra, construída com números e letras aleatórias, como as placas de automóvel, coisa que alguma sofisticada inteligência artificial poderia vir a elaborar.

Aos saudosistas restarão o Museu da Língua Portuguesa, que, aliás, já existe, e as bibliotecas que não tiverem perdido de vez o sentido. Hoje luta-se contra as palavras. Bons tempos aqueles em que o poeta lutava com as palavras.

(NICOLETI, Thaís. A Luta contra as palavras. Folha de S. Paulo, 2023. Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/blogs/thaisnicoleti/2023/01/a-luta-contra-as-palavras.shtml. Acesso em: 15/01/2023.)

Só NÃO é possível subentender da leitura do 9º parágrafo do texto que

 

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3194986 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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A luta contra as palavras

De uns tempos para cá, nossa sensibilidade linguística parece ter-se exacerbado. Antes, havia palavras proferidas com o intuito de ofender, os chamados palavrões. Bons tempos! As coisas eram mais claras, pois todos sabíamos quais eram os termos, de fato, insultuosos. Hoje, a qualquer momento, podemos ser pilhados em flagrante delito linguístico ao usar corriqueiramente alguma palavra cujo teor preconceituoso, recém-desvelado por algum perscrutador de ignomínias, nos tenha escapado.

O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deu-nos a conhecer uma lista de termos e expressões considerados racistas pela Comissão de Igualdade Racial, entre os quais aparece o verbo “esclarecer”. Segundo os autores do texto, o racismo estaria embutido no termo por ele sugerir que “a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras”.

Se assim for, expressões como “deixar claro” ou “é claro que”, de largo uso, padecem do mesmo vício de origem. A sugestão dos signatários do documento é “o uso das palavras ‘explicar’ ou ‘elucidar’, por exemplo” em substituição a “esclarecer”. “Explicar”, na origem, é desdobrar, já que vem do latim “plico, as, are”, ou seja, “dobrar”, mas “elucidar” tem “lux” (“luz”) na raiz. Ora, se é racista a singela ideia de que a luz (ou a claridade) nos ajuda a enxergar melhor, o mesmo teria de valer para “elucidar”. Por algum motivo obscuro, porém, “elucidar” passou incólume pelo crivo da comissão.

Talvez, no entanto, a própria ideia de “enxergar” já contenha em si algum viés capacitista. Afinal, há pessoas que enxergam e pessoas que, embora não enxerguem, captam o universo à sua volta com riqueza de detalhes. Há quem diga que os deficientes visuais desenvolvam muito mais os outros sentidos, o que os faz perceber com grande acuidade coisas que independem da claridade, como sons, odores, temperaturas etc.

Segundo o dicionário Houaiss eletrônico, que constantemente recebe atualizações, o termo “cego”, quando usado no sentido de “deficiente visual”, pode ser ofensivo. Notemos que os lexicógrafos foram hesitantes, preferindo não tachar o termo, de uma vez por todas, de depreciativo. “Cego”, do latim “caecus, a, um”, quer dizer “escuro, negro, obscuro, espesso”. Para além do sentido estrito, já no latim o termo era usado no sentido figurado. Da expressão “caecus cupiditate”, herdamos o usual “cego pela paixão”. É dessa mesma raiz que vem o termo “obcecado”, isto é, “cegado” – a palavra está associada ao espírito; é este que está no escuro, incapaz de fazer um julgamento lúcido da situação. De novo, estamos às voltas com as ideias de claridade e escuridão, ligadas naturalmente ao dia e à noite.

O adjetivo “cego”, no sentido metafórico, costuma descrever aquilo que não tem medida, que foge ao controle da razão (paixão cega, entusiasmo cego, ódio cego, submissão cega), não sendo nem bom nem mau em si. Um entusiasmo cego pode ser a atitude de quem acredita de fato no que faz, um ódio cego pode ser sede de vingança. Enfim, o termo pode ser empregado para enfatizar uma ideia. Foi assim, aliás, que o usou Milton Nascimento na canção “Fé Cega, Faca Amolada”, em que a fé é inabalável. Vale notar que a lâmina sem corte, ao contrário da “amolada”, também é chamada de “cega” – daí o jogo de palavras usado na letra da canção.

Um nó difícil de desatar é logo chamado de “nó cego” – talvez fruto da ideia de ser muitíssimo apertado, uma variação da noção de ênfase associada ao termo. O bonito da língua é essa maleabilidade, esse leque de associações que se constroem solidariamente entre os falantes sem que se possa saber ao certo quem inventou o quê. Quer mais? Com o acréscimo de um hífen, “nó-cego” passa a ser mais um dos muitos nomes da aguardente de cana.

A expressão “às cegas”, que quer dizer “às escuras” ou “tateando no escuro, sem ver”, é frequentemente usada pelos “sommeliers” em suas conhecidas “degustações às cegas”, ocasiões em que experimentam os vinhos sem ver os rótulos. Dessa forma, libertam-se das informações prévias que poderiam influenciar seu julgamento sobre a bebida, entregando-se voluntariamente à escuridão que faz aflorar o olfato e o paladar.

(...)

Em suma, a tarefa a que se entregam os purificadores da língua parece ser uma infinita corrida de obstáculos. Se, no entanto, for mesmo esse o caminho a seguir para tornar o mundo um lugar mais saudável, talvez possamos criar uma linguagem verdadeiramente neutra, construída com números e letras aleatórias, como as placas de automóvel, coisa que alguma sofisticada inteligência artificial poderia vir a elaborar.

Aos saudosistas restarão o Museu da Língua Portuguesa, que, aliás, já existe, e as bibliotecas que não tiverem perdido de vez o sentido. Hoje luta-se contra as palavras. Bons tempos aqueles em que o poeta lutava com as palavras.

(NICOLETI, Thaís. A Luta contra as palavras. Folha de S. Paulo, 2023. Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/blogs/thaisnicoleti/2023/01/a-luta-contra-as-palavras.shtml. Acesso em: 15/01/2023.)

De acordo com o texto, os lexicógrafos NÃO classificaram definitivamente o termo “cego” como depreciativo porque

 

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3194985 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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A luta contra as palavras

De uns tempos para cá, nossa sensibilidade linguística parece ter-se exacerbado. Antes, havia palavras proferidas com o intuito de ofender, os chamados palavrões. Bons tempos! As coisas eram mais claras, pois todos sabíamos quais eram os termos, de fato, insultuosos. Hoje, a qualquer momento, podemos ser pilhados em flagrante delito linguístico ao usar corriqueiramente alguma palavra cujo teor preconceituoso, recém-desvelado por algum perscrutador de ignomínias, nos tenha escapado.

O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, deu-nos a conhecer uma lista de termos e expressões considerados racistas pela Comissão de Igualdade Racial, entre os quais aparece o verbo “esclarecer”. Segundo os autores do texto, o racismo estaria embutido no termo por ele sugerir que “a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras”.

Se assim for, expressões como “deixar claro” ou “é claro que”, de largo uso, padecem do mesmo vício de origem. A sugestão dos signatários do documento é “o uso das palavras ‘explicar’ ou ‘elucidar’, por exemplo” em substituição a “esclarecer”. “Explicar”, na origem, é desdobrar, já que vem do latim “plico, as, are”, ou seja, “dobrar”, mas “elucidar” tem “lux” (“luz”) na raiz. Ora, se é racista a singela ideia de que a luz (ou a claridade) nos ajuda a enxergar melhor, o mesmo teria de valer para “elucidar”. Por algum motivo obscuro, porém, “elucidar” passou incólume pelo crivo da comissão.

Talvez, no entanto, a própria ideia de “enxergar” já contenha em si algum viés capacitista. Afinal, há pessoas que enxergam e pessoas que, embora não enxerguem, captam o universo à sua volta com riqueza de detalhes. Há quem diga que os deficientes visuais desenvolvam muito mais os outros sentidos, o que os faz perceber com grande acuidade coisas que independem da claridade, como sons, odores, temperaturas etc.

Segundo o dicionário Houaiss eletrônico, que constantemente recebe atualizações, o termo “cego”, quando usado no sentido de “deficiente visual”, pode ser ofensivo. Notemos que os lexicógrafos foram hesitantes, preferindo não tachar o termo, de uma vez por todas, de depreciativo. “Cego”, do latim “caecus, a, um”, quer dizer “escuro, negro, obscuro, espesso”. Para além do sentido estrito, já no latim o termo era usado no sentido figurado. Da expressão “caecus cupiditate”, herdamos o usual “cego pela paixão”. É dessa mesma raiz que vem o termo “obcecado”, isto é, “cegado” – a palavra está associada ao espírito; é este que está no escuro, incapaz de fazer um julgamento lúcido da situação. De novo, estamos às voltas com as ideias de claridade e escuridão, ligadas naturalmente ao dia e à noite.

O adjetivo “cego”, no sentido metafórico, costuma descrever aquilo que não tem medida, que foge ao controle da razão (paixão cega, entusiasmo cego, ódio cego, submissão cega), não sendo nem bom nem mau em si. Um entusiasmo cego pode ser a atitude de quem acredita de fato no que faz, um ódio cego pode ser sede de vingança. Enfim, o termo pode ser empregado para enfatizar uma ideia. Foi assim, aliás, que o usou Milton Nascimento na canção “Fé Cega, Faca Amolada”, em que a fé é inabalável. Vale notar que a lâmina sem corte, ao contrário da “amolada”, também é chamada de “cega” – daí o jogo de palavras usado na letra da canção.

Um nó difícil de desatar é logo chamado de “nó cego” – talvez fruto da ideia de ser muitíssimo apertado, uma variação da noção de ênfase associada ao termo. O bonito da língua é essa maleabilidade, esse leque de associações que se constroem solidariamente entre os falantes sem que se possa saber ao certo quem inventou o quê. Quer mais? Com o acréscimo de um hífen, “nó-cego” passa a ser mais um dos muitos nomes da aguardente de cana.

A expressão “às cegas”, que quer dizer “às escuras” ou “tateando no escuro, sem ver”, é frequentemente usada pelos “sommeliers” em suas conhecidas “degustações às cegas”, ocasiões em que experimentam os vinhos sem ver os rótulos. Dessa forma, libertam-se das informações prévias que poderiam influenciar seu julgamento sobre a bebida, entregando-se voluntariamente à escuridão que faz aflorar o olfato e o paladar.

(...)

Em suma, a tarefa a que se entregam os purificadores da língua parece ser uma infinita corrida de obstáculos. Se, no entanto, for mesmo esse o caminho a seguir para tornar o mundo um lugar mais saudável, talvez possamos criar uma linguagem verdadeiramente neutra, construída com números e letras aleatórias, como as placas de automóvel, coisa que alguma sofisticada inteligência artificial poderia vir a elaborar.

Aos saudosistas restarão o Museu da Língua Portuguesa, que, aliás, já existe, e as bibliotecas que não tiverem perdido de vez o sentido. Hoje luta-se contra as palavras. Bons tempos aqueles em que o poeta lutava com as palavras.

(NICOLETI, Thaís. A Luta contra as palavras. Folha de S. Paulo, 2023. Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/blogs/thaisnicoleti/2023/01/a-luta-contra-as-palavras.shtml. Acesso em: 15/01/2023.)

Com relação à tipologia predominante e às informações veiculadas, pode-se afirmar que se trata de um texto

 

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3194944 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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Direito e avesso

...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

Os termos em destaque têm sua relação semântica corretamente identificada em:

 

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3194943 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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Direito e avesso

...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

O fragmento de texto que NÃO apresenta nenhum tipo de intensificação é:

 

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3194942 Ano: 2023
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...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

No 7º§, as expressões “fraco do peito” e “estavam nervosos” aparecem entre aspas para demonstrar que

 

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...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

No excerto Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.” (5º§), os termos em destaque expressam, respectivamente, a ideia de

 

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3194940 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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Direito e avesso

...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

Considerando que o título se refere a uma síntese precisa do texto, tendo uma função estratégica na articulação textual, é possível depreender que a expressão “Direito e avesso” trata -se de uma:

 

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3194939 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
Orgão: Câm. Santos Dumont-MG
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Direito e avesso

...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

De acordo com as características de construção textual apresentadas, é correto afirmar que há o predomínio de uma

 

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3194938 Ano: 2023
Disciplina: Português
Banca: Consulplan
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...............Conheci uma moça que escondia como um crime certa feia cicatriz de queimadura que tinha no corpo. De pequena a mãe lhe ensinara a ocultar aquela marca de fogo e nem sei que impulso de desabafo levou-a a me falar nela; e creio que logo se arrependeu, pois me obrigou a jurar que jamais repetiria a alguém o seu segredo. Se agora o conto é porque a moça é morta e a sua cicatriz já estará em nada, levada com o resto pelas águas de março, que levam tudo.

...............Lembrou-me isso ao escutar outra moça, também vaidosa e bonita, que discorria perante várias pessoas a respeito de uma deformação congênita que ela, moça, tem no coração. Falava daquilo com mal disfarçado orgulho, como se ter coração defeituoso fosse uma distinção aristocrática que se ganha de nascença e não está ao alcance de qualquer um.

...............E aí saí pensando em como as pessoas são estranhas. Qualquer deformação, por mais mínima, sendo em parte visível do nosso corpo, a gente a combate, a disfarça, oculta como um vício feio. Este senhor, por exemplo, que nos explica, abundantemente, ser vítima de divertículos (excrescências em forma de apêndice que apareceram no duodeno), teria o mesmo gosto em gabar-se da anomalia se em lugar dos divertículos tivesse lobinhos no nariz? Nunca vi ninguém expor com orgulho a sua mão de seis dedos, a sua orelha malformada; mas a má-formação interna é marca de originalidade, que se descreve aos outros com evidente orgulho.

...............Doença interna só se esconde por medo da morte – isto é, por medo de que, a notícia se espalhando, chegue a morte mais depressa. Não sendo por isso, quem tem um sopro no coração se gaba dele como de falar japonês.

...............Parece que o principal entendimento é o estético. Pois se todos gostam de se distinguir da multidão, nem que seja por uma anomalia, fazem ao mesmo tempo questão de que essa anomalia não seja visivelmente deformante. Ter o coração do lado direito é uma glória, mas um braço menor que o outro é uma tragédia. Alguém com os dois olhos límpidos pode gostar de épater uma roda de conversa, explicando que não enxerga coisíssima nenhuma por um daqueles límpidos olhos, e permitirá mesmo que os circunstantes curiosos lhe examinem o olho cego e constatem de perto que realmente não se nota diferença nenhuma com o olho são. Mas tivesse aquela pessoa o olho que não enxerga coalhado pela gota-serena, jamais se referiria ao defeito em público; e, caso o fizesse, por excentricidade de temperamento sarcástico ou masoquista, os circunstantes bem-educados se sentiriam na obrigação de desviar e mudar de assunto.

...............Mulheres discutem com prazer seus casos ginecológicos; uma diz abertamente que já não tem um ovário, outra, que o médico lhe diagnosticou um útero infantil. Mas, se ela tivesse um pé infantil, ou seios senis, será que os declararia com a mesma complacência?

...............Antigamente havia as doenças secretas, que só se nomeavam em segredo ou sob pseudônimo. De um tísico, por exemplo, se dizia que estava “fraco do peito”; e talvez tal reserva nascesse do medo do contágio, que todo mundo tinha. Mas dos malucos também se dizia que “estavam nervosos” e do câncer ainda hoje se faz mistério – e nem câncer e nem doidice pegam.

...............Não somos todos mesmo muito estranhos? Gostamos de ser diferentes – contanto que a diferença não se veja. O bastante para chamar atenção, mas não tanto que pareça feio.

(Rachel de Queiroz. O melhor da crônica brasileira. 10ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.)

De acordo com as ideias expostas no 5º§ do texto, é correto afirmar que a autora

 

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