Magna Concursos
72224 Ano: 2009
Disciplina: Português
Banca: IFS
Orgão: IFS

Criando um monstro

(Karina dos Santos Cabral)

O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a própria vida e a vida de outras duas jovens por... Nada? Será que é índole? Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência? Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental? Permissividade da sociedade? O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes?

O rapaz deu a resposta: 'ela *não* quis falar comigo'. A garota disse *não*, *não* quero mais falar com você. E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um *não*. Seu desejo era mais importante.

Não quero ser mais um desses psicólogos de araque que infestam os programas vespertinos de televisão, que explicam tudo de maneira muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos outros sem serem chamados. Mas ontem, enquanto não conseguia dormir pensando nesse absurdo todo, pensei que o *não* da menina Eloá foi o único.

Faltaram muitos outros *nãos* nessa história toda. Faltou um pai e uma mãe dizerem que a filha de 12 anos *NÃO* podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que *NÃO* iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. Faltou outros pais dizerem que *NÃO* iriam atender ao pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado com vida. Faltou a polícia dizer *NÃO* ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá. Faltou o governo dizer *NÃO* ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal sequestrador conversasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram. Simples assim. *N Ã O*.

Pelo jeito, a única que disse *não* nessa história foi punida com uma bala na cabeça. O mundo está carente de *nãos*. Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer *não* às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer *não* aos maridos (e alguns maridos, temem dizer *não* às esposas). Pessoas têm medo de dizer *não* aos amigos. Noras que não conseguem dizer *não* às sogras, chefes que não dizem *não* aos subordinados, gente que não consegue dizer *não* aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros.

Talvez alguns não cheguem a sequestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um *não*, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco. Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E é legal.

Os pais dizem, 'não posso traumatizar meu filho'. E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas para suas crias. Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer *não*, você *não* pode bater no seu amiguinho. *Não*, você *não* vai assistir a uma novela feita para adultos. *Não*, você *não* vai fumar maconha enquanto for contra a lei. *Não*, você *não* vai passar a madrugada na rua. *Não*, você *não* vai dirigir sem carteira de habilitação. *Não*, você *não* vai beber uma cervejinha enquanto *não* fizer 18 anos. *Não*, essas pessoas *não* são companhias pra você. *Não*, hoje você *não* vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate. *Não*, aqui *não* é lugar para você ficar. *Não*, você *não* vai faltar na escola sem estar doente. *Não*, essa conversa *não* é pra você se meter. *Não*, com isto você *não* vai brincar. *Não*, hoje você está de castigo e *não* vai brincar no parque.

Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes *NÃOS* crescem sem saber que o mundo *não* é só deles. E aí, no primeiro *não* que a vida dá (e a vida dá muitos) surtam. Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha. Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante. Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo, pelo contrário. Acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranquilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um *não*. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer – é também responsabilidade. E quem ouve uns *nãos* de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso. Acaba aprendendo que é importante dizer *não* a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem.

O *não* protege, ensina e prepara. Por mais que seja difícil, eu tento dizer *não* aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e tento respeitar também os *nãos* que recebo. Nem sempre consigo, mas tento. Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. E é também aí que está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias.

Julgue as assertivas.

I. No 6º parágrafo, em “Talvez alguns não cheguem a sequestrar pessoas.” O elemento destacado retoma adolescentes ou jovens.

II. No 4º parágrafo, em “Faltou a polícia dizer *NÃO* ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá.” É possível termos nesse caso, em destaque, o sinal indicador de crase, mas haverá alteração de funções sintáticas.

III. No 8º parágrafo, em “Transam sem camisinha. Batem em professores.” Temos para os dois verbos destacados um típico caso de sujeito indeterminado com verbos na 3ª pessoa do plural.

 

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