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2226637 Ano: 2021
Disciplina: Português
Banca: SELECON
Orgão: Pref. São Gonçalo-RJ
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Qual é a força da metáfora?

Nas últimas séries do ensino fundamental, não é incomum se passar para o aluno uma longa lista de figuras de linguagem, divididas em figuras “de som” (como a aliteração, a assonância, a paronomásia), “de construção” (como a elipse, o zeugma, o polissíndeto, a inversão, a silepse, o anacoluto, o pleonasmo, a anáfora), “de pensamento” (como a antítese, a ironia, o eufemismo, a hipérbole, a prosopopeia, a apóstrofe) e “de palavra” (como a metáfora, a metonímia, a catacrese, a antonomásia, a sinestesia).

Naqueles livros didáticos, a metáfora costuma ser considerada um mero recurso retórico, quando concentro a comparação entre dois termos no segundo: ao invés de dizer à minha namorada que ela parece uma rosa, chamo-a amorosamente de “minha rosa” (pode ser que esteja pensando menos na beleza da flor e mais nos seus espinhos, mas aí é outra coisa, outra metáfora).

No entanto, toda a linguagem pode ser percebida como metafórica, se nenhuma palavra é a coisa que designa. Para Wayne Booth, não apenas toda linguagem é metafórica, como toda a nossa vida não passa de uma metáfora. Para George Lakoff, a metáfora está infiltrada de tal modo na vida cotidiana que pensamos e agimos sempre a partir de metáforas básicas. Para Wallace Stevens, a realidade é um clichê do qual escapamos pela metáfora.

A última definição é interessante, porque “clichê” não deixa de ser uma espécie de metáfora. Logo, a frase de Stevens pode ser reescrita de maneira circular, assim: “a realidade é uma metáfora da qual escapamos pela metáfora”. Em consequência, podemos até escapar da realidade, mas não podemos escapar... da metáfora!

Essa constatação está de acordo com a célebre formulação de Friedrich Nietzsche, pela qual a verdade é “uma multiplicidade incessante de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, em síntese, uma soma de relações humanas que foram poética e retoricamente elevadas, transpostas, ornamentadas, e que, após um longo uso, parecem a um povo firmes, regulares e constrangedoras”. As verdades seriam, ele continua, “ilusões cuja origem está esquecida, metáforas que foram usadas e que perderam a sua força sensível, moedas nas quais se apagou a impressão e que desde agora não são mais consideradas como moedas de valor, mas como metal”.

Deste modo, o que consideramos nossas verdades são, “na verdade”, catacreses, isto é: metáforas tão gastas pelo uso que não as reconhecemos como tal, do tipo “os pés da mesa” ou “os braços da cadeira”. Mesmo aquilo que entendemos como nós mesmos, ou seja, como nossa identidade, como nosso “eu”, ainda é uma metáfora existencial mais ou menos confortável.

Na definição milenar de Aristóteles, a metáfora é “uma coisa no lugar de outra coisa”. Digo “rosa” querendo dizer “amor” (ou “dor”). A metáfora surge sempre no lugar de outra coisa, precisamente daquilo que não se sabe - desse modo, fingimos que sabemos algo.

Se aceito o caráter metafórico de qualquer linguagem e discurso, preciso admitir que todo discurso é ficcional. Não é que “tudo” seja ficção, o que seria absurdo, mas sim que temos acesso ao real apenas através da mediação dos discursos. Todo discurso se aproxima da realidade (apenas se aproxima, nunca chega “lá”) através de ficções aproximativas, quer as chame “metáforas”, como na literatura, quer as chame “hipóteses”, como na ciência. Logo, como queríamos demonstrar, todo discurso é essencialmente metafórico. Nos termos de Alain Badiou: “nada pode atestar que o real é real, nada senão o sistema de ficção no qual ele virá a desempenhar o papel de real”.

Por isso, percebemos diversas regiões de sombra entre os significados que postulamos para as coisas e para os fenômenos. Essas regiões não são imóveis, ao contrário, elas se movem constantemente, razão pela qual não se consegue agarrá-las nem demarcá-las com facilidade. A metáfora tanto ilumina um objeto quanto dele deriva sombras, o que faz dela uma potência tão poderosa quanto ambígua.

Esta é a sua força.

Gustavo Bernardo (Adaptado de: http:// www. revista. vestibular.uerj.br/coluna/ coluna.php?seq_coluna=42)

No primeiro parágrafo, os comentários introduzidos entre parênteses têm a função de:

 

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