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408490 Ano: 2011
Disciplina: Português
Banca: Marinha
Orgão: EAM
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Texto II
Lagartixa
Sinto nojo e medo de lagartixas domésticas, acabei odiando o pobre bicho. Outro dia vi um menino brincar com uma, das menores, por sinal, e estremeci como se a criança estivesse a cutucar um violento jacaré.
Meu apartamento vinha sendo a residência de três enormes lagartixinhas. Noites mal dormidas. Pensei: preciso matá-las para livrar-me do receio de que me caiam na cara durante o sono(A). Ontem liquidei duas.
A primeira foi mais fácil. Para começar, fitei-a longamente, como a convencer-me de minha superioridade física e moral. Armado de um cabo de vassoura, aproximei-me cauteloso, enquanto ele me olhava, a duvidar de minhas reais intenções. Não é possível - concluí - que este sujeito vai me dar, a mim que nada lhe fiz, uma cacetada. Como eu continuasse avançando recuou um pouco, mas, pejando-se da covardia, tornou a refletir que eu não teria motivos para maltratá- la.
Seu nobre raciocínio custou-lhe o rabo, o rabo porque, no desconcerto da emoção, o golpe desviou-se alguns centímetros do alvo. Enquanto o rabo - momento puro de misterioso pavor estertorava-se no chão, a bichinha esgueirou-se pela parede, ocultando-se atrás de um móvel(C). Os saltos do rabo solitário me acabrunhavam(E). Senti meu valor desfalecer. Agora, no entanto, o problema era outro; tratava-se, piedosamente, de livrar a lagartixa daquele rabo inquieto, ou seja, destruir a lagartixa aleijada. De que vale uma lagartixa sem rabo? De que vale um rabo sem lagartixa? Afastei o móvel, tive a impressão triunfante de que ela fremia de horror.
Desferi o segundo golpe com tal confusão de sentimentos que a infeliz ficou descadeirada(B). Tonta, sem noção do perigo, começou a arrastar-se penosamente pelo rodapé, desgraciosa e lenta. Com a terceira bordoada, estrebuchou de barriga para cima(D). É cadáver, respirei.
Coisa nenhuma. Ao remover o corpo, fui surpreendido por um pulo que a colocou de novo, toda estragada, na posição normal. Veio-me um frio ruim à espinha. Tive vontade de sair, dar uma volta pela praia, tomar um conhaque. A essa altura, entretanto, já não podia permitir a mim mesmo fraquezas dessa espécie. O tiro de misericórdia (ai de mim) teria liquidado um gambá.
O assassinato da segunda, (a verificação chocou-me bastante) foi incomparavelmente mais fácil. Menos emocionado, já meio habituado ao crime, desferi apenas dois golpes furiosos e fatais.
Joguei os corpos no lixo, e estava a escrever isto, quando alguém, lendo por cima do meu ombro, corrigiu a minha ignorância em dois pontos: primeiro, que lagartixa dá sorte; segundo, que, decepado o rabo de uma lagartixa, cresce-lhe outro. Assim sendo, quanto ao rabo retifico logo: uma lagartixa sem rabo, a longo prazo, vale uma lagartixa inteira. No tocante à sorte, quero dizer que o extermínio das duas inocentes parece que me ajudou muito a libertar-me do medo. A terceira lagartixa, ausente na hora da matança, pode ficar agradecida ao sacrifício de suas irmãs. E se ela me der sorte, eu lhe pouparei a vida.
Paulo Mendes Campos
Assinale a opção cuja palavra sublinhada é sinônima do termo apresentado entre parênteses.
 

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